segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Crescer


Vai e vive, meu rapaz!
Abandona essas dúvidas,
Que nada mais fazem a não ser sufocar.
Desaquieta o coração,
E deixa livre o espírito.

Corre na chuva!
Como a criança que pela primeira vez
Sente a água batendo na sua pele macia,
Ou então, como o velho que depois de tempos de seca
Pode relembrar o frescor do líquido batendo na terra árida.
Sente a vida que vem com a chuva!

Desata os nós que fizeste.
Lança tua corda,
Segura firme e avança rumo ao cume.
Quando alcançar o topo,
Prende novamente o fio àquela base segura.
E salta confiante!
Mas certifica-te da força da base.
E observa o fio,
Repara-o se necessário.
Mas salta!

Vai e vive, meu rapaz!
Junta tua bagagem.
Mas só leva contigo o que é de urgência!
Deixa as coisas pesadas
A fim de que não canses demasiado cedo.
Porém pesa junto ao peito
Uma foto dos teus queridos
Pra que quando a memória te trair
Ainda possas lembrar de seus rostos
Não esquece dos rostos!
Porque eles lembram de ti.

Agora,
Vai e vive, meu rapaz...
E me conta depois.

terça-feira, 26 de maio de 2009

A Casa


Cheguei sozinho, assustado, perdido.
Busquei paz e conforto na solidão
Fechei todas as janelas
Não queria que o sol entrasse
E tampouco queria que as pessoas me vissem,
Não daquele jeito

No escuro daquela casa vazia,
Caminhei.
E caminhando topei com minhas lembranças,
Chutei-as.
Com medo de tropeçar em algo mais que me pudesse fazer recordar
Sentei-me no escuro
Lancei-me em pedaços miúdos pelo chão umedecido por prantos

Com medo da dor,
Permaneci.
E fiquei a observar os cacos de um “eu”
Que eu mesmo já não reconhecia.

Quando meus olhos se acostumaram com a escuridão
Pude ver minha alma
De joelhos ao chão
Olhos lacrimejando,
Ainda com a visão meio turva
Cerrei os olhos
E então pude ver
Que ela, num esforço convulsivo,
Recolhia todos os pedaços de mim
Um a um...

No escuro daquela casa vazia

quarta-feira, 29 de abril de 2009

O Maio e o Menino

Um menino andava perdido na noite de maio
Cruzei com ele naquela estrada que dá pro nada
Perto do fim do sonho, de esquina com a solidão
Ele me abraçou
Eu senti muito frio
Ele trazia no rosto pálido, um olhar de cansaço
E nas costas, uma mochila surrada
E nos lábios um sorriso nervoso
E nas mãos um mundo todo
E nos pés um all star velho...

Me deu o mundo e saiu
Dizendo que ele agora também era meu,
Que eu cuidasse dele.
As pontas de meus dedos ardiam
O mundo daquele menino de costas nuas e alma turva
Era pesado demais,
Era fascinante demais,
E diferente demais.
Era o mundo dele, não o meu!

Trouxe o mundo de encontro ao peito
Tentando de todas as formas segura-lo...
Envolvi o globo em meus braços
Me agarrei àquele mundo novo
De novas pessoas,
De novos lugares,
De novos ares,
De um novo viver
Daquele existir que eu não conhecia.

Quando consegui te-lo firme em minhas mãos, parei.
Observei. Ouvi atento. Silenciei.
Mas não o senti.
O esforço me adormeceu as pontas dos dedos
E eu não pude mais toca-lo.
Já não podia mais ouvi-lo
Quase não o via...

E em uma noite daquele mesmo maio
Naquela mesma rua que dá pro nada
Cruzei com o menino
E sua alma já não era mais tão turva,
Nem seu rosto tão pálido,
Nem seu all star tão velho...
Mas a mochila surrada continuava lá
Nas costas nuas do menino
Só que desta vez a mochila estava cheia

Devolvi o mundo ao seu dono:
-E então?
-É tentador! Mas não é meu.
-...
-Cuidei bem dele. Não foi fácil. Mas está aqui. Intacto.
O menino lançou um breve olhar prao globo e mais uma vez me encarou.
Senti frio novamente. Intenso.
-O que houve? O que foi tão difícil?
Não consegui olhar nos olhos do menino:
-Simplesmente não pude segura-lo. Era pesado. Não tive forças.
-Não se trata de força. Você ainda não entendeu... Que pena...

Mais uma vez o menino me deu as costas e se foi.
Fiquei.
Atônito. Perplexo. Desorientado.
Sozinho.
Desapontei o menino
Mas do que ele falava?
Meus dedos ainda doíam...
Talvez, com o tempo
Quando meus dedos já tiverem sarado
Talvez, eu entenda o menino e aquele mundo
Talvez eu possa fazer parte desse mundo novo...

Quem sabe no próximo maio?